Gustavo R. B. A. Ferreira (UNICAMP)
ferreira.gustavo@outlook.com
Título: Conhecimento e logos em Teeteto 206-8
Resumo: Muitos intérpretes de Teeteto 206-8 pensam que a causa do erro da alfabetizanda (a pessoa em alfabetização), que escreve o nome de Teodoro com a letra tau, seria que ela não conhece a letra theta. Por isso, tais intérpretes pensam que a rejeição da definição de conhecimento como opinião verdadeira com lista (logos) dos elementos se baseia na tese, enunciada anteriormente nesse diálogo, de que o conhecimento (episteme) dos elementos é requisito para o conhecimento dos compostos. Assim, a moral da passagem, segundo essa leitura, não constitui uma novidade em relação ao que já estava estabelecido no Teeteto. No entanto, o erro explicitamente atribuído à alfabetizanda é não conseguir soletrar a sílaba theta-épsilon quando ela ocorre no nome de Teodoro. É por essa razão que a alfabetizanda não conhece a sílaba theta-épsilon. Além disso, aquilo precisamente que a alfabetizanda não conhece é a sílaba theta-épsilon enquanto tipo (por oposição à sílaba enquanto ela ocorre em um contexto determinado). A partir dessas e outras observações, as quais vou fazer nessa apresentação, vê-se que o argumento pressupõe que a habilidade de escrever uma sílaba sempre que ela ocorre em certo contexto está longe de merecer ser chamada “conhecimento”. O conhecimento de uma sílaba requer a habilidade de consistentemente escrever a sílaba direito, não importando o contexto em que ela ocorra. Assim, a moral da passagem é que o conhecimento acerca de um tipo requer a habilidade de identificá-lo em qualquer contexto em que ele ocorra, uma tese que ainda não havia sido estabelecida no diálogo, embora possa ser encontrada em outras obras de Platão.
Palavras-chave. Platão; Conhecimento; Logos.
Sávio L. Siqueira (UFPB)
saviofilosofia@gmail.com
Título: A ausência da falsidade na República: o verdadeiro e o não verdadeiro na Analogia da linha (VI 509d ad fin.).
Resumo: Analisaremos na República os quatro segmentos a par das presentes na Analogia da linha (VI 509d ad fin.) respectivas operações cognitivas — inteligência, entendimento, crença e imaginação — que suportam a impossibilidade da dissociação da epistemologia com a ontologia. Platão não está investigando o que é verdadeiro e falso, mas o que distingue verdade de não verdade em cada secção da analogia. Por não se tratar de um problema unicamente ontológico deve se prestar atenção à operação cognitiva e ao domínio ontológico a que se explica.
Palavras-chave: Platão; República; Verdade; Falsidade
Marciano R. A. Cavalcanti (UFPE)
marciano.cavalcanti@ufpe.br
Título: Conhecimento e percepção a partir dos parágrafos 184b-186e do Teeteto de Platão.
Resumo: Há certa discussão entre as intérpretes de Platão sobre a percepção possibilitar o conhecimento ou não. Nesse contexto, o diálogo Teeteto se destaca, pois, nele, encontramos uma análise profunda da percepção No entanto, o significado do argumento que estabelece, explicitamente, a relação entre percepção e conhecimento não é consensual. No trecho 184b-186e, Sócrates infere que pelo fato da percepção não ser capaz de captar o “ser” (ούσια), ela não apreenderia a verdade, e assim, conclui que ela não pode ser conhecimento. Existem duas leituras principais sobre objetivo do argumento, que discordam quanto ao sentido ousía no trecho. Por um lado, entende-se que (1) “ser” é usado no seu sentido predicativo. Dessa maneira, o objetivo seria negar que a percepção produza juízos. Como consequência, ela estaria fora de um âmbito discursivo, não sendo conhecimento em sentido nenhum. Por outro lado, outros vão argumentar que (2) o sentido de ousía trata “do que realmente é”. Segundo essa leitura, pode-se dizer que a percepção é judicativa, ou seja, que o conteúdo da experiência perceptiva é proposicional. Sob esse ponto de vista, percepção seria conhecimento em algum sentido, mas ela não forneceria acesso à “realidade”. A nossa comunicação vai apresentar o argumento em detalhes e vai avaliar as posições majoritárias sobre o tema. Por fim, vamos explorar uma leitura alternativa que confronta a leitura predicativa de ousia, mas também nega que a percepção já contenha conteúdo proposicional. Como resultado, oferecemos uma avaliação e um diagnóstico sobre o que sustenta as posições predominantes.
Palavras-chave: Cognição. Conhecimento. Percepção. Platão.
Pedro M. G. Dotto (NSSR)
Título: Verdade, Falsidade e Persuasão no Fedro de Platão
Resumo: O poema de Parmênides havia assumido (ou apostado) que existiria um nexo indissolúvel e não problemático entre Verdade e Persuasão no caminho de investigação do Ser (Diels-Kranz 28: B2). Mas o que aconteceria se, na contramão da convicção de Parmênides, a verdade não se impusesse imediatamente aos seres humanos e se sua persuasividade não estivesse garantida por uma autoridade divina? Nesta apresentação, pretendo desenvolver o argumento de que a reformulação da retórica levada a cabo no Fedro de Platão exprime justamente o reconhecimento da separabilidade entre verdade e persuasão bem como uma resposta ao impasse de que a verdade não é transparente, de modo que o problema da persuasão se torna saliente e incontornável. Em poucas palavras, então, minha conjectura é que a conceituação de Platão da retórica como psicagogia através da linguagem (Fedr. 261a7-9; também 271c10) acarreta a admissão das limitações do raciocínio puramente lógico para assegurar a persuasão em certos contextos e diante de alguns interlocutores. Dito de outra forma, as considerações sobre a psicagogia desencadeiam o reconhecimento de que a verdade não assegura a persuasão ex officio, de sorte que a demonstração lógica não pode, em seus próprios termos, realizar o trabalho de conversão para a vida filosófica. A psicagogia, na minha leitura, torna-se, assim, o conceito que Platão adota e desenvolve, a fim de preencher o hiato entre verdade e persuasão. A contrapelo de Parmênides, portanto, Platão estabelece como princípio orientador da filosofia a preocupação com o ajuste adequado entre a veracidade de uma exposição racional e a disposição ou direcionamento intencional da alma do interlocutor.
Palavras-chave: Platão – Fedro – retórica – persuasão – psychagōgia
Rafael C. de Sousa (UNICAMP)
rafaelc.dsouza97@gmail.com
Título: Explicação por Concomitância na Geometria segundo Aristóteles.
Resumo: Apresento uma análise da distinção apresentada por Aristóteles em Segundos Analíticos I. 2, 71b9-12 entre: (I) conhecer algo cientificamente (ἐπίστασθαι ἁπλῶς) e (II) o modo sofístico (σοφιστικὸν τρόπον), aplicado ao domínio da geometria, enfatizando no que significa ‘modo sofistico’. O conhecer cientificamente é caracterizado por dois requisitos: (i) uma explicação causal (αἰτία) e (ii) uma relação de necessidade (ἀνάγκη); e o modo sofístico é caracterizado por ser por concomitância (κατὰ συμβεβηκός). Entre os intérpretes, Barnes (1993) defende que a cláusula (i) não possui papel relevante nas ciências matemáticas e Bronstein (2016) defende que há uma independência entre os requisitos. Sigo a interpretação de Angioni (2016) de que o requisito (ii) é um qualificador de (i), e na relevância da distinção entre a explicação causal apropriada e a explicação por concomitância para a caracterização do conhecimento propriamente científico. Para caracterizar o que Aristóteles compreendia enquanto sendo uma explicação por concomitância, exponho uma análise do exemplo da aparente demonstração do teorema da soma dos ângulos internos do triângulo em Segundos Analíticos (74a27-32). Por fim, mostro como tal distinção entre explicações que são por meio da causa necessária das que são por concomitância está em conformidade com a definição de demonstração (ἀπόδεξις) de Proclus em Comentário ao Primeiro Livro dos Elementos de Euclides (206. 12-207. 3).
Palavras-chave: Concomitância, conhecimento científico, explicação causal, necessidade, geometria.
Aislan F. Pereira (UNICAMP)
Título: Observações preliminares sobre a êpagoge aristotélica.
Resumo: O objetivo desta comunicação é apresentar algumas observações da pesquisa em andamento a respeito da epagoge (ἐπαγωγή) em Aristóteles. A interpretação dominante a respeito do seu significado, desde o início do século XX, seria regida pela chamada “definição clássica” dos Tópicos: “epagoge é a passagem [ἔφοδος] dos particulares ao [ἐπὶ] universal” (Top. I 12 105a13-4). Sob o guarda-chuva dessa definição, as interpretações se diferenciam basicamente quanto à forma inferencial (dedutiva ou indutiva) ou não (intuitiva ou procedimental) da “passagem”, cujo alvo seria descobrir ou adquirir certo conhecimento generalizante (certo, aceitável ou súbito) a partir da experiência adquirida com os particulares. Por essa razão, está cristalizada na tradição o termo “indução” para se referir à epagoge. Entretanto, alguns intérpretes defendem o caminho inverso, de que o alvo da epagoge seria a aplicação de certo conhecimento generalizante (universal) já adquirido ou descoberto. Dado esse contexto, penso que essas interpretações antagônicas tocam em questões secundárias quanto às características distintivas da epagoge aristotélica: se o alvo é adquirir ou aplicar conhecimento universal. Com esse problema em mente, a pesquisa tem avançado no resgate do que foi inicialmente proposto por alguns poucos intérpretes, sobretudo Hamlyn (1976), da promissora interpretação de que a epagoge seria um tipo de argumento (λόγος) analógico, entretanto voltado a elucidar por que é verdade ou aceitável que certo predicado se atribui a certo sujeito. Porém, diferente do típico silogismo, a abordagem (ἔφοδος) do argumento analógico da epagoge seria se apoiar sobre (ἐπὶ) particulares semelhantes, os quais, por sua vez, exigiriam “considerar” (λαμβάνειν) o respectivo universal, de modo a não prejudicar o próprio propósito do argumento. Assim, ainda que as ocorrências de epagoge no corpus aristotélico envolvam considerar apenas a aplicação e não a aquisição do universal, esse fato não seria relevante para distinguir o argumento por epagoge.
Palavras-chave: Aristóteles. Epagoge. Argumento. Analogia.
Mariane F. de Oliveira (USP)
Título: A demonstração como um lógos da alma nos Segundos Analíticos de Aristóteles.
Resumo: Aristóteles, nos Segundos Analíticos, expõe sua teoria da demonstração. A demonstração é um conhecimento universal e necessário, dado a partir de premissas mais conhecidas em si e resultando em uma conclusão mais cognoscível para nós. Dado esse panorama do texto, nosso problema concerne a duas passagens em que Aristóteles trata do caráter indubitável da prova como um logos “interno” da demonstração. A primeira surge ainda em I.2, quando é dito que: “(...) qualquer pessoa que conheça de modo absoluto [haplos] deve ser incapaz de ser persuadida a mudar seu pensamento [i.e., este conhecimento adquirido]” (72b10). E, ainda de forma mais clara, em I.10, após ter exposto os itens ou princípios constituintes de uma demonstração, há outra passagem que vai ao mesmo encontro: “Deduções, e, por conseguinte, demonstrações, não são adereçadas a um argumento [lógos] externo, mas sim a um argumento [lógos] da alma (...) (76b27). Como pode então o sujeito que demonstra ter em sua alma esse lógos da prova? Como hipótese de trabalho, nos deteremos, contudo, prioritariamente nos textos dos Segundos Analíticos e do critério formal da construção da demonstração que permite que a entendamos como um lógos da alma. Defenderemos que a construção do silogismo científico é tal que é impossível alguém adquirir conhecimento a partir do resultado de uma prova feita por outrem. Em outras palavras, não há como uma pessoa demonstrar uma conclusão para outra, justamente por ser um conhecimento interno ao sujeito. Ainda que dois sujeitos compartilhem das mesmas premissas (já conhecidas) como ponto de partida, é apenas a partir de uma demonstração seguindo os passos formalmente e materialmente corretos que alguém pode vir a conhecer por si mesmo, uma vez que a cadeia de dedução demonstrativa deve ser seguida autonomamente para que o sujeito realmente possua esse “lógos” da prova, isto é, a conclusão, em sua alma.
Palavras-chave: Demonstração; Segundos Analíticos; Conhecimento Científico; λόγος.
Angelo A. P. de Oliveira (UNICAMP)
Título: Rediscutindo o Elitismo Moral da Ética a Nicômaco.
Resumo: Para Aristóteles, a noção de habituação desempenha um papel fundamental na educação moral. Contudo, em que termos a noção de habituação deve ser compreendida? Há uma longa e bastante difundida tendência na produção acadêmica anglófona de formular a noção de habituação de tal modo que ela é basicamente construída em torno da ideia de criação (upbringing). A noção de habituação é formulada por vários intérpretes como se Aristóteles entendesse essa noção principalmente, quando não exclusivamente, em termos da educação moral recebida durante a primeira formação de caráter. Eu argumento que uma das principais evidências na Ética a Nicômaco em favor dessa tese interpretativa (1095b2-9) é baseada numa tradução equivocada de um termo grego, a qual tem permanecido quase sem questionamentos na tradição anglófona. A consequência dessa interpretação tradicional é que uma boa criação seria um requisito necessário estabelecido por Aristóteles para frequentar suas aulas. Isso significa que ou Aristóteles excluiu de suas aulas todos que, embora não tenham tido uma boa criação, tiveram a oportunidade de serem educados em bons hábitos num momento posterior da vida a fim de treinar suas emoções e desejos e torná-los virtuosos ou Aristóteles pensava que o treino do caráter em bons hábitos só pode ocorrer durante a criação. Desafiar a leitura tradicional é filosoficamente importante para que Aristóteles não seja acusado de um certo tipo de elitismo moral. Se seguirmos a interpretação tradicional, temos de atribuir a Aristóteles a tese de que apenas os indivíduos que tiveram uma boa criação podem se tornar virtuosos. Minha interpretação contribui para abrir a possibilidade de uma interpretação menos restritiva da noção de habituação no livro II da Ética a Nicômaco ao enfraquecer a associação entre habituação e criação.
Palavras-chave: Aristóteles – Ética a Nicômaco – Caráter – Virtude – Desenvolvimento Moral
Louise W. Nery (ULB)
Título: As leis que auxiliam a razão: uma justificativa psicológica no mito das marionetes (644b6-645c6) nas Leis de Platão.
Resumo: Em uma das passagens mais célebres das Leis, de Platão, o ser humano é representado como uma marionete (θαῦμα). Trata-se de um trecho relativamente curto e muito denso, o qual mobiliza e coloca em jogo alguns elementos fundamentais do pensamento platônico e muito caros à filosofia de um modo mais geral. Esses elementos são apresentados progressivamente no diálogo e se entrelaçam de tal modo que respondem a uma pergunta essencialmente platônica e ao mesmo tempo essencial na história da filosofia: como devemos balizar nossas ações? No relato das marionetes, a resposta a essa questão proposta pelo Ateniense, personagem que conduz o diálogo, supõe que o homem precisa de auxiliares (ὑπηρέται - 645a6) para que ele possa direcionar suas ações para a excelência e não para o vício. A análise psicológica ganha terreno na medida em que o argumento avança, mas quem são esses auxiliares? Por mais tentador que seja a identificação desses auxiliares às leis, a literatura secundária ainda carece de justificativas para atribuir-lhes esse papel. Ademais, as leis não são as únicas candidatas a esse cargo. Nesta comunicação eu me proponho a identificar quem são esses auxiliares. Para tal, começarei por uma contextualização do mito das marionetes, visto que ele inicia retomando uma tese ética previamente acordada no diálogo, a saber: os bons são aqueles capazes de se autodominarem (644b6-7). Em seguida, analisarei os candidatos ao cargo de auxiliar a partir das sugestões de leitura de JOUËT-PASTRÉ (2006), MEYER (2012), RENAUT (2014), SCHOFIELD (2016), BARTELS (2017) e SALINAS (2019). Por fim, mostrarei que tanto do ponto de vista sintático quanto semanticamente esses auxiliares são necessariamente as leis. Contudo, o que está em jogo é uma definição muito específica da noção de lei para que a espécie mortal não seja privada do que é mais divino nela, nomeadamente a razão.
Palavras-chave Leis, razão, afecções, psicologia moral.
Cedric John Ayres (IFPE)
Título: Uma prolepse das virtudes: Céfalo, a racionalidade ignorante
Resumo: Este é o primeiro artigo de um projeto de análise proléptica das principais personagens do livro I da República. A tese geral é de que a ação dramática e os argumentos apresentados pelas personagens antecipam a tripartição da alma e as definições da virtude apresentadas no livro IV. Neste primeiro artigo, defenderei que Céfalo representa a racionalidade ignorante. Meu objetivo é mostrar que, por representar a racionalidade, ele deveria ser sábio, mas não é. Assim, apresentarei três pontos. O primeiro tratará da habilidade racional de Céfalo, a qual limita-se ao pensamento sub-noético. Aqui, apresentarei a oposição vetorial entre dianoia e noesis. Depois, mostrarei que esta mesma oposição é encenada na interação entre Céfalo e Sócrates. Isto porque Céfalo deduz conclusões de premisas, para defender ou rejeitar hipóteses, mas jamais se ergue para além de tais hipóteses em busca dos princípios fundantes. No segundo ponto, tratarei dos interesses e motivações de Céfalo. Isto porque a sabedoria é uma virtude que exige amor; e por não amar a sabedoria, ele não é sábio. Neste sentido, me apoiarei na distinção entre o filósofo e o filodoxo o qual carrega uma certa semelhança ao filósofo sem de fato ser um. Apaixonado pelo espetáculo das opiniões, o filodoxo busca entretenimento intelectual, assim afastando-se da verdade e sabedoria. Ao tratar do terceiro ponto, finalmente trarei a tona a definição de justiça. À primeira vista, a perspectiva de Céfalo em relação à justiça parece semelhante a que o próprio Sócrates apresenta no livro IV. Mas ao compararmos a definição de justiça à de sabedoria, percebemos diferenças fundamentais. Portanto, apoiado nestas nuances, defenderei que o “cenário do amigo insano” não é apenas um contra-agumento à primeira definição de justiça. Além disso, é também um teste da sabedoria de Céfalo — teste o qual a sua racionalidade ignorante falha.
Palavras-chave: Prolépse, Céfalo, Racionalidade, Sabedoria, Dianoia.
Daniela B. Furtado (UFMG)
Título: É possível falar sobre verdade no Elogio de Helena do Górgias de Leontini?
Resumo: Górgias foi um pensador muitas vezes acusado de negligenciar a verdade em prol da persuasão. No entanto, se observarmos alguns de seus textos que chegaram até nós, somos levados a questionar se este foi realmente o caso. Em seu Elogio à Helena, Górgias afirma que o kósmos do discurso (lógos) é a verdade (alétheia). Nesse sentido, o objetivo da atual comunicação é levantar a possibilidade de Górgias ter se preocupado com a verdade, entendida enquanto atributo do discurso. Para fazê-lo, nos limitamos ao que é apresentado no Elogio de Helena; primeiramente buscando uma caracterização do que é o lógos e como ele atua; em seguida exploramos como Górgias apresenta os diferentes usos deste lógos (pelos meteorologistas, filósofos e debatedores); para finalmente refletir sobre qual poderia ser uma concepção de discurso verdadeiro no pensamento de Górgias. Concluímos que, apesar de ser inviável dizer que não há uma preocupação com a verdade em Górgias, não nos é possível identificar uma definição bem delineada sobre o que esta seria. De fato, Górgias não parece buscar um conceito de verdade, mas sim explorar a relação do discurso com o objeto que ele pretende referenciar, de forma a considerar como as atividades que se utilizam deste discurso estabelecem tal relação.
Palavras-chave: Górgias, lógos, alétheia.
Arthur Siebra Barreto (UFC)
Título: A Filosofia Cínica ante a Metafísica Platônica
Resumo: A filosofia grega, no decorrer do período jônico ao período clássico / democrático em Atenas, desenvolveu uma forte analise acerca dos fundamentos do mundo e da própria existência (metafísica / ontologia). A exemplo disso temos as cosmogonias dos diversos filósofos pré-socráticos a respeito do princípio primeiro através do qual surgiu todas as coisas; assim como, posteriormente, as grandes metafísicas de Platão e Aristóteles. Nesse estudo, passa despercebido um interessante movimento que, deliberadamente, se declarou como inimigo de toda e qualquer metafísica, e, mais radicalmente, da própria cultura e seus artífices, denunciando a cegueira humana sobre os verdadeiros valores a serem buscados. Me refiro aqui à figura de Diógenes de Sinope (aprox. 424 – 323 a.C) e o movimento cínico. O conflito nos é relatado principalmente pela doxografia de Diógenes Laércio (livro VI), que apresenta inúmeros causos entre as duas figuras antagônicas: Platão e Diógenes. O problema aí se mostra claro, um, grosso modo, representa a transcendência na filosofia, o outro, a imanência. O ponto chave de leitura aqui é ver os relatos como ilustrações do espírito de duas pessoas de posturas filosóficas distintas, a analisar o conflito de ideias que remetem à personalidade, filosofia, e modo de vida de cada um. O que urge na vida humana em sua imediaticidade para a contribuição filosófica? Qual o dever do filósofo para com seus conterrâneos, ser médico das almas perdidas, ou pensar os fundamentos últimos da existência? É possível ambas as posições coexistirem numa mesma pessoa? Deve elas assim coexistirem no filósofo? Quanto à reflexão de Diógenes, um exercício se opõe ao outro, e, conclui-se, para que haja de fato a prática filosófica, o indivíduo deve estar imerso na vida mínima e suas questões, agir e pensar eticamente, filantropicamente, em função da reforma para alcance do bem comum na vida do agora.
Palavras-chave: Ética, Filosofia, Imanência, Metafísica, Transcendência.
Daniela F. Cruz (UNIFESP)
Título: Proposições necessariamente verdadeiras e a relação entre demonstração científica e silogismo em Segundos Analíticos II
Resumo: Aristóteles desenvolve em Segundos Analíticos II.1-2 8-10 um modelo de estrutura triádica que revela a essência de um determinado item a partir da sua causa: esse modelo é a demonstração silogística. Apesar de ser incontroverso que a demonstração é um silogismo para Aristóteles, a relação entre ambos é alvo de divergências interpretativas – especialmente no que diz respeito às motivações de Aristóteles para escolher o silogismo como o instrumento de demonstração. Uma vez que a investigação que interessa a Aristóteles nos Analíticos não é uma investigação qualquer, mas aquela propriamente científica, compreende-se que há um grau de verdade presente na demonstração – isto é, demonstrações deste tipo envolvem proposições necessariamente verdadeiras –, no entanto, qual seria a dimensão e o papel da verdade no que diz respeito à relação entre silogismo e demonstração? A fim de responder a essa questão, apresentaremos no presente trabalho a leitura proposta por Angioni (2012, 2014) e Zuppolini (2014), segundo a qual a escolha pelo silogismo em virtude de sua eficácia em exprimir relações causais – e, apesar de lidar com proposições necessariamente verdadeiras, a verdade das proposições é antes ponto de partida que propriamente alvo de demonstrações.
Palavras-chave: Aristóteles, demonstração, silogismo, causalidade, verdade
Fernanda C. Cardoso (UNICAMP)
Título: Do conhecimento prévio ao científico em Segundos Analíticos
Resumo: Segundos Analíticos é uma obra dedicada a teorizar um modelo de ciência demonstrativa cujo cerne incide no princípio de relevância explanatória. Uma das condições do conhecimento científico estabelecidas por Aristóteles é a que Bronstein (2016) chama de “requisito do conhecimento prévio” (ver 71a1 e 89b23): é preciso haver um conhecimento preliminar à demonstração científica, a partir do qual é possível alcançar o conhecimento científico. O propósito do projeto é analisar as principais condições e etapas a serem satisfeitas pela pessoa cientista para possuir conhecimento científico a partir do conhecimento que ela já dispõe, prévio à demonstração científica. Defendo que a trajetória do conhecimento previamente disponível ao científico pode ser bem caracterizada por resultar, fundamentalmente, no reconhecimento de uma relação intensional-causal necessária entre itens cuja extensão e valor de verdade são previamente conhecidos (ver 71b31-32). O produto final das investigações científicas é um argumento válido composto de três predicações necessariamente verdadeiras que possui a propriedade de explicar o explanandum (situado na conclusão) a partir do explanans (mediador) se, e somente se, i) explanans e explanandum forem coextensivos (ver 78b13-28) e ii) o explanans constituir uma relação intensional-causal assimétrica e necessária com o explanandum (ver 71b9-12). Nesse sentido, não basta que a cientista saiba que X e Y são o caso: ela deve reconhecer que X causa Y e que X é a causa explanatoriamente mais apropriada de Y.
Palavras-chave: demonstração; conhecimento; ciência; investigação; necessidade.
David C. S. Santos (UFPE)
Título: Qual a relação entre filosofia antiga e religião? Suspeitas sobre a tese secularista.
Resumo: É comum ser apresentado ao complexo movimento intelectual que deu origem à filosofia na Grécia Antiga como se este representasse um rompimento com os mitos e, consequentemente, com a religião. A filosofia grega, segundo essa tese, é secularizada ou, pelo menos, torna-se mais filosófica à medida que ultrapassa a religião. Quando, entretanto, nos debruçamos sobre os textos dos filósofos primevos e, sobretudo, sobre os diálogos platônicos, esta tese parece estar longe de ser óbvia e autoevidente. A filosofia, antes, parece englobar e fazer uso de elementos da mitologia e da religião para perfazer-se e, em muitos momentos, parece presumi-las sem qualquer pretensão demonstrativa. Qual é, portanto, a relação entre a filosofia antiga e a religião? O objetivo desta comunicação é levantar suspeitas sobre a tese de um rompimento abrupto entre filosofia e religião de duas formas: i. apresentar e discutir a tese da secularização da filosofia antiga tal como expressa por Burnet, Kirk, Raven, Schofield e Gomperz ii. apresentar indícios que sugerem, na filosofia pré-socrática, componentes religiosos. Para isso, discutiremos o conceito de religião proposto pelos historiadores citados, indicando possíveis problemas e apresentaremos uma definição alternativa proposta por Roy Clouser que parece se aproximar da noção de ἀρχή (arché) nos pré-socráticos. Por fim, mencionaremos instantes dos diálogos de Platão que parecem indicar componentes religiosos em sua obra, o que instila uma pesquisa futura que aborde esse tema. A investigação sugere que é possível compreender a arché em termos religiosos e que, embora a filosofia antiga pareça ser um rompimento, em certo aspecto, com a mitologia, ela permanece religiosa.
Palavras-chave (de 3 a 5): Religião, Secularismo, Pré-socráticos, Platão.
Ênio R. B. Soares (UFPE)
Título: O paralelismo entre Sócrates e o mensageiro Er n’A República de Platão
Resumo: Em Ordem e História: Platão e Aristóteles, Eric Voegelin defende que há um paralelismo entre os personagens de Sócrates e Er n’A República. Esse filósofo alemão argumenta no sentido de que é possível assumir que esse vínculo foi pretendido por Platão. Sócrates, principal personagem e expositor das teses platônicas no diálogo, é apresentado, n’A República, como representante do discurso filosófico, do lógos, discurso argumentativo fundado em razão. Já Er é apresentado apenas no relato do mito que encerra a obra. Er é retratado como representante do mito filosófico, discurso narrativo verossímil fundado em imagens e representações. Segundo Voegelin, esse paralelismo é fundado em três conexões. Essa pesquisa se concentrará na associação que é baseada na eleição tanto de Sócrates quanto de Er como novos mensageiros do discurso verdadeiro para a comunidade. N’A República, Platão propõe que essa nova mensagem deve substituir a mensagem poética, que na tradição grega desempenhava o papel de principal representante da formação e educação dos homens. Para Platão, a poesia não poderia continuar ocupando o posto de principal fonte educadora, pois as obras poéticas de caráter mimético descrevem como real um mundo de mera aparência, são a destruição da inteligência dos ouvintes, afastando-os da verdade. Nossa pesquisa investiga se esse paralelismo defendido por Voegelin realmente existe e foi desejado por Platão. Há razões para acreditarmos que essa tese é verdadeira e nossa estratégia para responder a esse problema é baseada na leitura imanente d’A República, na análise e discussão da argumentação pelo paralelismo pretendido por Voegelin, no estudo de outras obras que abordam o tema, como a Paideia de Werner Jaeger, como também no exame de autores que pesquisam a relação entre lógos e mito na filosofia platônica, pois essa ligação aparenta ser o fundamento para o paralelismo entre Sócrates e Er.
Palavras-chave: Platão; República; Paralelismo; Sócrates; Er.
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